terça-feira, 21 de setembro de 2010

Tricotando...


Amélia e Bianca, Afrodites veteranas, se encontraram por acaso, como força do destino, durante um engarrafamento monstruoso na Avenida Brasil. Nunca tinham se visto, mas as duas tinham tudo a ver, só não sabiam. Naquela tarde de terça, sem nada o que poder fazer - uma tinha contas a pagar a outra unha a fazer - se olharam e começaram a desabafar...
Amélia, que era mulher de verdade no século XXI inaugurou a discussão, que mais tarde, mudaria o rumo daquele tédio acalorado, em meio ao caos urbano.
- Homem não é tudo igual?
- Acho que sim - disfarçou Bianca. A outra ignorou o desconhecimento da desconhecida e tagarelou.
- Olha, eu estou há 10 anos com o mesmo cara, e ele consegue me irritar todos os dias...
- Por quê? - achou melhor perguntar, com uma ponta de arrependimento, mas a conversa prosseguiu.
- Porque todos os dias ele chega em casa, deixa a roupa espalhada na cama, e sai pra beber. Se não é bar, é futebol, meu Deus, o que tanto eles gostam desse negócio de bola, gritaria, é muita ignorância, Deus o livre.
A outra, que não tinha um homem do lado, pensou com os seus botões. "Há quanto tempo meu Deus, eu não sei o que é uma ignorância de homem, do que é que ela está reclamando"? E a outra, descontrolada, emendou.
- Quando eu chego em casa, cansada, o traste ainda quer atenção, comidinha, roupinha passada e, huuum sabe mais o quê, né?
Ela podia imaginar, mas disfarçou, não podia declarar a sua grave falta genérica, então, fez que sim com a cabeça e pensou. "Mulher de sorte... Um homem pra azucrinar a vida. Eu nem me lembro disso."
Amélia sonhava com outros dias.
- Nossa, quando eu era solteira, eu arrasava, era tanto homem atrás de mim...
O diálogo agora era imaginário.
"Que louca! Do que ela reclama?"
- Eu tinha um a cada fim de semana, de tudo quanto é jeito, pobre, rico, estudado, grosseirão. Eu não tinha frescura, comigo era só festa.
"Eu vou matar essa mulher"!
- Mas quando eu casei...
A outra voltou a si e ficou curiosa.
- E aí? Ele era um cara legal?
- O último dos românticos. Me levava pra jantar, pra dançar, pra motel, viagenzinha... Samba, sombra e muita cerveja. Aí, entra na rotina, vem os filhos e o homem começou a beber, a ter amigos, coisa que antes não tinha...
- Mas ele é um bom homem?
- É bom, é honesto, bom pai, me ama, é fiel.
- Minha filha, não reclama não.
- Por quê?
- Porque podia ser bem diferente...
- Como?
- Você podia chegar em casa e não ter ninguém pra conversar e discutir o seu dia.
- Gostei disso.
- Você podia ter toda a liberdade do mundo.
- Gostei mais ainda.
- E podia não ter nem a cor de sexo por sei lá um ano.
- NÃO!
- Então, querida. Dá um jeitinho, vê se compra cerveja pra ele não ter que sair e aguenta o futebol porque afinal, o mundo não é perfeito. E o que são umas horinhas de memória das cavernas?
A outra calou, pensou, pensou e concluiu.
- Quer trocar de vida por um dia?
A plateia, que já prestava atenção no debate, entrometeu em coro.
- Troca menina.
- Que nada. Vai que o marido da outra gosta dessa.
- E vai que ela gosta da vida de solteira... Ferrou!
As duas calaram de novo. E Bianca resolveu proclarmar o fim da discussão.
- Homem é tudo igual, mesmo, mas o pior é que a gente gosta.
Depois de algum tempo, Amélia e Bianca se tornaram amigas e confidentes. A insatisfação delas já não era tão grande durante as horas de poker na casa de Amélia. Enquanto o marido assistia ao futebol na sala, as duas tricotavam no quarto com uma cervejinha gelada. As novas amigas de infância chegaram ao veredicto final da conversa.
- Nenguém está contente com o que se tem e a maior arte da vida é aproveitar o que se tem.
Elas estavam aproveitando. Afinal, como já dizia Rita Lee, amor e sexo são coisas diferentes e quando se pode juntar as duas, ninguém ousa desperdiçar.

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