sábado, 4 de setembro de 2010

Artemis e os segredos da floresta



Conta a mitologia, que a deusa Artemis nasceu com a missão de caçar (não vou me alongar contando a história do nascimento dela) e viver junto à natureza, e por isso, vive bem e muito bem ao ar livre, longe dos humanos, a ponto de fazer voto de castidade.

Desde o começo da Humanidade, as deusas e deuses deixaram mensagems em nós que continuam firmes e fortes no nosso inconsciente, e por isso, envoco essa "amazona" da mitologia grega - Diana para os romanos - nesse ensaio sobre a minha recente viagem à Amazônia. Calma, não me embrenhei na floresta como uma bandeirante, nem fui fazer escursão em nenhuma tribo indígena (adoraria ter essa força de espírito, mas ainda não tive), fui conhecer projetos interessantes de educação e produção agrícola em meio a um verde inebriante e vibrante de paz e vitalidade.

Vou fazer um parêntesis, se me perdoem. A reportagem, para mim, é uma arte. E essa arte passa por alguns estágios. Primeiro pelo contato com o novo sem olhar para ele com olhos estrangeiros, mas buscando as referëncias internas capazes de nos colocar no lugar do outro sem fazer diferenças - caso contrário (como, se for pensar nos mosquitos gigantescos ou se o copo d'água que te oferecem está limpo) o trabalho se transforma em um desfile de frescuras, preconceitos e clichês. Depois, a reportagem vai para o passo mais decisivo, que é a peneira que leva à escrita, e essa parte, do julgamento, é a mais perigosa, por isso, temos que estar abertos a um olhar humano, uma percepção instintiva e nos perguntar: qual a emoção desse momento? Qual a maior riqueza desta pessoa, deste lugar? O que eu, como ser humano igual a ele, pude aprender com esse povo que estava aqui quieto, sem pedir a minha presença, nem tão pouco a minha interferência?

Parêntesis feito, vou chegar à floresta (isso depois de muito chão). O Pará é terra de gente simples, muito simples. Não a ponto de passar fome, como no sertão nordestino, ou enfrentar a seca do semi-árido, simples pela condição de estar junto das coisas naturais e eu aprendi um monte com esse povo. O contato rural sempre me remeteu à infância, quando me jogava descalsa na terra batida da fazenda do meu pai, e podia vê-lo tirar leite da vaca, ou fazendo queijo, e quando chupava manga no pé e corria dos cachorros. Essas lembranças são adoráveis, não só pelo fato de estar rodeada das pessoas que mais amo, mas porque quando em contato com a terra, a gente volta a ser simples, a descomplicar a vida, a pensar como somos fúteis e cheios de paranóias, e isso renova a alma em busca do propósito único: ser feliz por completo. O povo da floresta respira ares de felicidade! Não estou brincando, nem sendo piegas. É a mais pura verdade. Mesmo com as dificuldades deles, como por exemplo, andar em estradas de chão
que demoram horas para se deslocar de um lugar a outro. Falta de eletricidade e alguns confortos como celular e internet.

Pude ver o brilho nos olhos de meninos, que falam errado, mas podem se expressar sem vergonha e sem a compulsão frenética dos celulares e computadores, apesar de já poderem ter contato com essas ferramentas da modernidade. Senti a pulsão de esperança de um agricultor que andava mal das pernas, mas que com uma ajuda mínima de umas vaquinhas, se encheu de alegria ao ver que em breve vai poder vender leite, além de produzir açaí para abastecer a capital com a tão cobiçada fruta, tão valorizada, que o faz sorrir de orelha a orelha. Esse homem só quer ter uma vida mais tranquila, e não sair do campo. Não imaginem um homem desdentado ou maltrapilho, imagine o seu pai, apenas sem cinto e com barba por fazer e sem cortar o cabelo: esse é o homem do campo.

Esse mesmo personagem me deixou ainda mais fascinada. Ele construiu uma casa sem nenhuma parede no meio da floresta. Tëm ideia disso? Dá para sentir o tamanho do prazer deste homem em estar junto à natureza? Não tem medo de cobras, lagartichas, besouros e outros bichos que nem tenho coragem de pensar. Ele é uma pessoa simples, que tem valores simples, e preserva a vitalidade que falta aos homens da cidade, preocupados com a conta bancária e a violência que veem na televisão. O homem do campo aproveita o que a terra oferece com gratidão, e retribui em forma de felicidade. Felicidade que ele passa para os filhos, todos formados - um deles é biólogo - o que gera a harmonia em família. Ali na roça, divórcios são raros e não há mulheres se queixando da falta de homem (isso tem de montão e todos querendo casamento). Voltando à casa sem paredes, dentro da minha perplexidade e encantamento, eu quis saber como eles conseguiam dormir com tudo aberto, se não sofriam com os mosquitos... O homem me disse que não havia mosquitos (brincadeira, ele estava era acostumado!), mas que o frio incomodava um pouco. Só isso. Incomodava um pouco, sem problemas e conflitos maiores. Admirei tanto essa família... o casal, orgulhoso de seus frutos, me serviu suco de maracujá e caju (todos naturais) e bolo de aipim feito pela esposa. Um espetáculo! Sai de lá feliz e grata, valorizando as coisas mais simples da vida. A minha casa, a minha família e tudo de lindo que posso conhecer e construir com simplicidade e amor.

Depois dessa experiência, ainda conheci o Parque Zoobotânico de Carajás, que abriga umas oncinhas, uns macacaquinhos e umas ararinhas maravilhosas, também conheci o Urubu-rei (ele é branco, sabiam?), coisas da Amazônia... Uma riqueza que não poderia explicar com palavras. Só mesmo conhecendo para ver de perto esse universo maravilhoso, pulsante de vida que é a floresta. Eu já estive em muitas zonas rurais, pus os pés em muitos jardins e abracei muitas árvores gigantes, mas nunca tinha sentido o que senti na Amazônia - a maior biodiversidade do planeta, uma cidade de seres distintos convivendo em harmonia, o que deixa o homem realmente no chinelo.

A densidade das copas, os sons, os cheiros, a energia, tudo é inigualável. No Parque há uma sala de coleções com simplesmente 2.500 indivíduos - insetos (lindos e assustadores), frutos, sementes e tipos de madeiras. É espécie que não acaba mais, coisa de maluco... Ártemis dentro de mim entrou em êxtase máximo. Mas, Atena falou mais alto, e voltei para a cidade. Não sem antes prometer à minha deusa selvagem que voltarei ao campo o mais breve possível...

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